O conflito entre moradores filiados e não filiados, em relação ao rateio das despesas dos condomínios fechados irregulares, foi resolvido pelo STF.
Condomínios horizontais regulares e irregulares
Os condomínios horizontais ou loteamentos de acesso controlado, também conhecidos como “condomínios fechados”, em resumo, são uma espécie loteamento através do qual os lotes decorrentes são unidades imobiliárias integrantes de condomínio e não imóveis autônomos e independentes.
Nas palavras do I. Des. Biitencourt Marcondes, “o condomínio horizontal e o loteamento para fins urbanos são institutos jurídicos distintos, sendo o primeiro um conjunto de edificações construído em terreno aberto, no qual existem unidades autônomas na forma de casas térreas ou assobradadas, partes reservadas como de utilização exclusiva dessas unidades (jardins, quintais), bem como áreas de propriedade comum a todos os condôminos; o segundo, por sua vez, consiste no parcelamento do solo urbano, mediante a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos, ou prolongamento/ampliação das vias já existentes” (TJMG, 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/08/2012).
Embora os condomínios fechados existissem há anos, sendo regulamentados pelas legislações municipais e pelas normas gerais dos condomínios edilícios (Lei nº 4.591/64), apenas com a Lei nº 13.465, de 11/07/2017, passaram a ser previstos, expressamente, na legislação federal:
Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.
§ 1o Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
(...)
§ 7º O lote poderá ser constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes
§ 8º Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1o deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados.
(Lei nº 6.766/79 com alterações da Lei nº 13.465, de 11/07/2017)
Contudo, existem muitos empreendimentos imobiliários que não foram promovidos sob a forma de condomínio horizontal e, mesmo assim, posteriormente, houve restrição das vias de acesso e, de forma informal, a constituição de uma espécie de condomínio de fato, muitas vezes, gerido por uma associação de moradores.
Desse modo, os chamados condomínios irregulares são loteamentos que, embora tenham resultado em lotes independentes e autônomos - em termos simples, "lotes de bairro" -, houve o posterior fechamento das vias de acesso.
É importante observar que, após o processo de loteamento urbano são criados espaços públicos transmitidos, pelo loteador, para o domínio da Municipalidade (ruas, avenidas, praças, áreas de infraestrutura urbana e etc.), que pertencem a toda a coletividade, sendo, por isso, em princípio, irregular a instituição de portaria, nos condomínios informais, com limitação de acesso aos terceiros não residentes.
Assim, em regularização dos referidos empreendimentos, os Municípios, através da legislação própria, estabeleceram a possibilidade de concessão dos espaços públicos existentes dentro do loteamento à entidade representativa dos seus moradores. A título de exemplo, a Lei nº 2.655/06, do Município de Lagoa Santa/MG.
Portanto, existem duas situações jurídicas relevantes: os condomínios fechados que foram constituídos regularmente e os que não foram.
Associações de moradores e a cotização (rateio) de despesas comuns
Os moradores nos condomínios fechados irregulares, cujos imóveis são autônomos e não integrantes de um condomínio formal, podem constituir Associação Civil para lhes representar, estabelecer regras de convivência, ratear despesas comuns e todas demais finalidades que forem previstas no respectivo Estatuto Social.
Tal espécie de associação foi, expressamente, prevista pela Lei nº 13.465/17:
Art. 36-A. As atividades desenvolvidas pelas associações de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou empreendimentos assemelhados, desde que não tenham fins lucrativos, bem como pelas entidades civis organizadas em função da solidariedade de interesses coletivos desse público com o objetivo de administração, conservação, manutenção, disciplina de utilização e convivência, visando à valorização dos imóveis que compõem o empreendimento, tendo em vista a sua natureza jurídica, vinculam-se, por critérios de afinidade, similitude e conexão, à atividade de administração de imóveis.
Parágrafo único. A administração de imóveis na forma do caput deste artigo sujeita seus titulares à normatização e à disciplina constantes de seus atos constitutivos, cotizando-se na forma desses atos para suportar a consecução dos seus objetivos.
É relevante destacar que o vínculo decorrente da associação é pessoal, voluntário e não permanente, ao contrário do condomínio formal, cujo vínculo é decorrente do próprio registro imobiliário, sendo compulsório e permanente.
Em termos simples: quem adquire um imóvel, cujo registro matricular estampa a existência do Condomínio, não pode se escusar de cumprir a Convenção de Condomínio e, inclusive, o respectivo Regimento Interno; e, de outro lado, não se pode exigir do adquirente de um lote autônomo e independente as obrigações previstas no Estatuto Social de uma Associação da qual aquele não se filiou.
Isso porque, por garantia constitucional, “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado” (art. 5º, XX, CR/88), podendo os moradores recusarem a se filiar à associação que administra o condomínio ou, uma vez já filiados, é lícito desfiliarem-se.
Desse modo, em princípio, as associações de moradores podem promover a cobrança da taxa condominial apenas dos seus filiados, embora os demais moradores, direta ou indiretamente, também sejam beneficiados de determinadas atividades de tal entidade, inclusive da valorização dos respectivos imóveis.
Entretanto, devem ser ressalvados os serviços específicos efetivamente utilizados pelos moradores não filiados (por exemplo, o fornecimento de água e o recolhimento de resíduos), cujos custos correspondentes devem ser arcados, sob pela de enriquecimento ilícito. De outro lado, quanto às atividades da associação relativas aos espaços de convivência e lazer (salão de festas, quadra desportiva, piscina e etc.), os moradoras não filiados não têm qualquer direito de usufruir de tais atividades.
STF: taxa condominial após a Lei nº 13.465/17.
A Corte Suprema, em julgamento recente, pacificou o debate sobre a cotização dos não filiados, através de julgamento com repercussão geral (vinculante para todos os órgãos jurisdicionais):
É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da lei 13.465/17, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis (STF, RE 695911, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2020).
Em resumo, o STF definiu que: (i) antes de legislação municipal específica ou da Lei nº 13.465/17, a associação não pode cobrar a taxa condominial do não associado; e (ii) após o marco legislativo, a associação pode promover a cobrança, desde que os antigos proprietários/possuidores tenham se filiado ou que, para os novos, haja registro da constituição da associação no Registro Imobiliário.
No que tange à possibilidade de registro imobiliário da constituição da associação, a decisão do STF comunga com o anterior entendimento jurisprudencial do STJ:
(...) 4. No julgamento do REsp nº 1.422.859/SP, ficou decidido que por força do disposto na lei de loteamento, as restrições e obrigações constantes no contrato-padrão, depositado em cartório como condição para o registro do projeto de loteamento, incorporam-se ao registro e vinculam os posteriores adquirentes, porquanto dotadas de publicidade inerente aos registros públicos.
5. O fato de a cobrança de taxa de manutenção estar prevista no contrato-padrão registrado no Cartório de Imóveis vincula os adquirentes somente à obrigação de pagar as taxas a partir da aquisição, não abrangendo os débitos do anterior proprietário, diante da ausência de previsão expressa na lei de regência. (...)
(REsp n. 1.941.005/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de 30/6/2021)
Portanto, quanto às despesas condominiais, é de suma relevância que os Condomínios e Associações de moradores observem, além da legislação de regência, a jurisprudência consolidada sobre o tema.
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